Prevenir danos é permitir ofensa?

Robert Simpson suggests a way to distinguish between harm and offence.

Em uma sociedade que valorize a liberdade de expressão, ser ofendido pelo discurso de outros é um dos preços que é preciso pagar. Para defensores da liberdade de expressão, esse argumento é óbvio. Nós aceitamos que, quando um discurso é extremamente prejudicial, é necessário equalizar a liberdade de expressão com o objetivo legítimo de prevenir danos. Mas quando a única coisa em questão é a ofensa, a liberdade de expressão deve ser priorizada.

Que tipo de objeções poderíamos encontrar na defesa dessa tese sobre a ofensa? Uma das preocupações é de que esta visão subestima a maneira como as ofensas podem interferir na nossa liberdade. O teórico de direito Joel Feinberg sugere que a ofensa é comparável a um estorvo. Assim como qualquer estorvo, sentimentos de ofensa não prejudicam ou impedem nossa liberdade diretamente. Contudo, eles provocam inevitáveis gastos de energia a mais para que mantenhamos nossa atenção e nossa paz de consciência, e, por isso, Feinberg afirma, os liberais devem olhar para ofensas gratuitas como passíveis das mesmas restrições legais impostas aos comportamentos incômodos gratuitos.

Contudo é preciso responder ao argumento de Feinberg de um “princípio da ofensa”, já que existe um outro problema na maneira como devemos distinguir dano e ofensa. Obviamente, existem danos que não envolvem nenhum aspecto de ofensa. É possível que alguém seja lesado (fisicamente, financeiramente ou mesmo em questões de status social) sem que se sinta ressentido ou mesmo tenha consciência sobre o mal que lhe foi causado. Na verdade, a questão é como devemos distinguir entre, de um lado, os sentimentos extremos que impedem a liberdade e que normalmente seriam caracterizados como danos psicológicos (sentimentos causados por ameaças, perseguições, ou abusos emocionais), e por outro lado sentimentos de ressentimento ou aversão que constituam mera ofensa.

A distinção não é uma questão de quão autêntico os sentimentos são. Algumas pessoas podem fingir sentimentos de ofensa para tentar influenciar os outros, mas em muitos casos a ofensa é realmente genuína. Tampouco podemos distinguir em relação a intensidade dos sentimentos. O desagrado e a indignação sentida por uma pessoa ofendida (quando sua religião é ridicularizada) pode ser similar ou até maior que o desagrado ou indignação sentida por uma vítima de danos psicológicos (como alguém que esteja sofrendo assédios verbais). Nesse sentido, se não se trata de autenticidade ou intensidade, onde exatamente está a distinção?

Em primeiro lugar, há uma interpretação de que a pessoa ofendida, ao contrário da vítima de danos psicológicos, tem alguma responsabilidade por seus sentimentos. A pessoa ofendida é afetada de forma negativa por aquilo que a ofende somente (1)  por aquilo que a pessoa acredita ou valoriza, e (2) por como essa pessoa espera que os outros vejam suas crenças e valores. Na terminologia da filósofa Judith Thompson, sentimentos de ofensa são formas de “sofrimento mediados por crença”. É verdade que os sentimentos da pessoa ofendida são instigados pelo comportamento de outras pessoas. O ponto, no entanto, é que esses sentimentos não existiriam na ausência das convicções  profundamente enraizadas na pessoa ofendida. Por outro lado, os sentimentos negativos que classificaríamos de danos psicológicos são apenas sentimentos que surgem somente em situações em que há ameaças deliberadas, abusos com alvos definidos, assédio e assim por diante: casos em que o comportamento hostil do agressor é culpado pelos sentimentos negativos — o que é diferente de choques com a visão de mundo da vítima. Em segundo lugar, e de forma relacionada, sentimentos de ofensa não dependem somente de sentimentos individuais de como uma pessoa é tratada. Danos psicológicos são coisas que sofremos como resultado de coisas que os outros fazem conosco. No entanto, eu me sinto ofendido não necessariamente pela maneira como sou tratado, mas por crer que certos comportamentos são totalmente intoleráveis, independentemente de tais comportamentos terem algum impacto direto em mim.

Essa maneira de distinguir está relaciona com a obviedade da reivindicação da liberdade de expressão que mencionei no início. Por que a ofensa não é necessariamente uma razão legítima para restringir um discurso? Porque ao contrário dos danos psicológicos, a ofensa é uma conseqüência de pessoas que projetam seus próprios valores e atitudes na vida dos outros. Não há nada que nos impeça de agir assim, mas seria algo antiliberal que a lei interviesse quando expectativas ou ideais fossem frustrados — afinal de contas, o principal propósito de qualquer lei é prevenir que a nossa liberdade seja prejudicada pela interferência de outra pessoa.

Não é surpreendente que os casos mais difíceis sejam aqueles que se encontram na linha tênue entre ofensa e dano como defini acima. Uma coisa é ofender uma pessoa de forma acidental quando criticamos suas crenças mais arraigadas. Outra coisa é ridicularizar ou denegrir as convicções das pessoas repetidamente de forma calculada numa tentativa de fomentar ódio, ressentimento e humilhação. A distinção liberal entre dano e ofensa desenha uma imagem nitidamente dividida do relacionamento social:  às vezes estamos vivendo nossas vidas e perseguindo nossos objetivos, outras vezes estamos atuando de forma hostil e com más intenções. No entanto, no mundo real o relacionamento social não é algo tão nítido assim. É necessário, contudo, algum tipo de distinção entre discurso nocivo e um mero discurso ofensivo, se queremos por em prática a essência da ideia liberal de que os valores e as convicções de algumas pessoas não devem ditar a maneira como outros devem viver e o que devem dizer. Se errarmos ao permitir que expressões ofensivas aconteçam em casos extraordinários, será por boas razões.

Robert Simpson é doutorando em filosofia pelo Somerville College, Oxford.

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Comentários (3)

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  1. We have been studying hate speech in the Anglophone world in our High School English language and literature class for the past few weeks. We focused on malicious intent, libel and denigrating language and the right to freedom and attempted to put these factors of hate speech in context. This article focuses on the debate whether freedom of speech should be restricted to offset offensive language.

    Freedom of speech is crucial to maintaining a democratic society and we do believe that it should be prioritized in the majority of cases, but not all. Social networking has allowed people to easily harm others through posts and messages online; in fact, according to the Megan Meier Foundation, social networking has been involved in 47% of teenage suicide cases. Some of these cyberbullying cases are borderline between offense and harm, examples to which you will allude to in this essay. But we disagree that erring on the side of allowing offensive expression would be for a good reason: often there is malicious intent behind these words and they indeed do have grim consequences. In such circumstances it would be irresponsible for us to prioritize our freedom of expression when the words are provoking harm, are of malicious intent, or are disparaging.

    In borderline cases where there is malicious intent, legal intervention should be made available. When you draw the line between offense and harm you describe harm as “to mock or disparage people’s convictions repeatedly, in a calculated attempt to foment outrage, resentment or humiliation.” Offense on the other hand is merely the projection of another’s beliefs on to someone. In your eyes the victim of offense is responsible for their own feelings, but with the availability of the internet that is no longer the case. Online you can be bothered 24/7, and the audience is much larger than it would ever be in real life. These exaggerated conditions need to be considered. Dave Knight, a teenager in Burlington, Ontario, was made fun of for several months behind his back. Other students in his class made a website where they posted pictures of him and made offensive jokes about him, which led to a number of hate messages. Cases like this one we do not agree should be legal.
    We have to consider the consequences of offense and its severity. Erring on the side of freedom of expression isn’t always worth it. The Westboro Baptist Church in the USA is an infamous borderline case. They are known to hold anti-gay protests at funerals for men who have died for their country at war. In addition, they are known for their hateful messages and derogatory remarks. We believe this should be classified as mental harm and should be illegal. It is not the right of another person to project their beliefs in such a hateful manner on another person. This has obvious malicious intent and is in no way an attempt at constructive debate.

    To conclude, we believe that offensive language that is denigrating, disparaging, including libel or has malicious intent to harm another should not fall under the right to freedom of speech. In these so called borderline cases it is essential to understand the nature of the offense as well as its potential consequences.
    Conor, Kelly and Shauna

  2. Does speech include written words? If so what if not responded to? Having written protesting to self declared leaders of the Church of England about what I see as their perverse abuses of power, position, trust, deception, process and fraud they ignored. Is that free speech?

  3. Chai Jing(柴静), a China well-known TV investigative reporter, received an interview called the original of independence.
    She said:
    When GuZhun(顾准), a great thinker who is the first person to put forward the theory of socialist market economy, encountered the Cultural Revolution, he just told others who were going to hurt him ‘I am reading history now’. What I learned from him is everyone has anger, which is a human instinct. But you need surpass this instinct. That is to say, you couldn’t go far if you only have anger. In other words, change from angry to observation. You have to wait for the opportunities. Once you can easily do something, you already get ready for it.
    The reason why I quoted this translation is to state my opinion. Offense and hurt are both ways to object to free speech. Deservedly, rational speaking should come first.

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