O Sistema de Alerta de Direitos Autorais: em breve numa casa perto de você?

A questão de qual é a melhor maneira de controlar a disseminação não-autorizada de conteúdos protegidos por direitos autorais na internet é uma preocupação dos detentores de tais direitos. No entanto, a implementação do Sistema de Alerta de Direitos Autorais poderia afetar a liberdade de expressão, Graham Reynolds argumenta.

Em julho de 2011, o Centro de Informações de Direitos Autorais (CCI, na sigla em inglês), “fundado como parte do esforço colaborativo de criadores de conteúdo das indústrias de cinema, música e provedores de internet [nos EUA] para ajudar a educar o público e conter as violações contra direitos autorais ao oferecer informações sobre as opções legais para acessar conteúdos”, anunciou a criação do Sistema de Alerta de Direitos Autorais (CAS, na sigla em inglês). o CCI descreveu-o como “um sistema progressivo que pretende educar os usuários de internet sobre direitos autorais digitais e as possíveis conseqüências das violações inadvertidas ou intencionais de direitos autorais por meio de redes compartilhamento de arquivos.” Financiado por donos de provedores e conteúdos participantes, o CAS será inicialmente implantado somente nos EUA. Se for considerado bem sucedido, o sistema poderá ser implantado em outros países.

O CAS já foi descrito como um sistema de “seis tentativas”. Embora os detalhes exatos do CAS possam variar de acordo com o provedor utilizado, o sistema está estruturado da seguinte maneira. Atividades que são classificadas como ilegais são identificadas através de um sistema de análise chamado MarkMonitor, que utiliza “tanto profissionais treinados como processos automatizados para identificar descarregamentos ilegais de filmes, programas de televisão e arquivos de música.” A partir do momento em que a suposta atividade ilegal é detectada, um aviso é enviado ao provedor informando-o sobre a atividade e, entre outras informações, o endereço de IP (protocolo de internet) vinculado à atividade supostamente ilegal. A partir daí, o provedor entra em ação. A natureza da resposta do provedor vai variar dependendo de notificações que já tenham sido enviadas ao mesmo usuário em decorrência do CAS (que, no entanto, ainda não foi devidamente investigado).

O CCI descreve o CAS da seguinte maneira: “avisos educativos serão enviados primeiro. Em seguida virão alertas de reconhecimento que serão enviados ao provedor de internet. Se as supostas violações continuarem, novos alertas com ‘medidas atenuantes’ serão enviados. Essas medidas vão variar de acordo com cada provedor, e podem ser tanto pedidos para que o usuário leia materiais educativos quanto a diminuição da velocidade de conexão do usuário temporariamente.” O CCI afirma que “a série progressiva de alertas pretende conscientizar os consumidores sobre as atividades realizadas no âmbito de suas contas de internet. O objetivo é educar os usuários sobre como prevenir atividades ilegais (por exemplo, aumentando a segurança da rede sem fio ou desinstalando programas de compartilhamento de arquivos), e fornecer informações sobre as maneiras de acessar conteúdos digitais legalmente.” O CCI enfatiza que “a rescisão do contrato com o provedor de internet não está no âmbito do CAS”. Como explica o CCI, “ao contrário do que muitos relatos errôneos dizem, o sistema em que o usuário está eliminado após seis tentativas. Na verdade, não há qualquer eliminação do usuário no sistema.”

Ao tentar “criar um programa que fosse preciso, justo e protegesse o interesse dos consumidores em cada etapa do processo”, o CCI alega estar fornecendo proteção aos consumidores. Em primeiro lugar, o CCI “contratou um renomado especialista em tecnologia, Stroz Friedberg, para avaliar tanto as metodologias usadas pelo programa MarkMonitor para identificar possíveis violações de direitos autorais quanto “revisar os processos usados por cada provedor para criar uma correspondência entre as contas dos usuários e os endereços de IP repassados pelos donos dos conteúdos.”

Em segundo lugar, o CCI criou um sistema de revisão no qual os consumidores podem “apelar para que os alertas sejam revistos caso um erro tenha ocorrido”. Esse sistema de apelação será operado pela Associação de Arbitragem dos EUA (AAA, na sigla em inglês). Como afirma o CCI, “o sistema de apelação permitirá que os consumidores demandem que um profissional treinado e imparcial possa fazer a revisão do aviso de forma justa e confidencial, honrando a privacidade dos usuários.” Já foi dito que para dar início a tal procedimento, os consumidores teriam que pagar 35 dólares ao CAS. Também foi dito que a quantia seria reembolsada se o pedido do usuário for de fato um erro do sistema.”

A décima proposta de princípio do Liberdade de Expressão em Debate afirma: “Devemos ser livres para questionar todos os limites às liberdades de expressão e informação que tenham como justificativa questões do tipo: segurança nacional, ordem pública, princípios morais, proteção de propriedade intelectual.” O CAS deve ser investigado para que fique claro que o sistema não cria obstáculos desnecessários à liberdade de expressão ao combater a violação de direitos autorais na internet. Se não for implementado corretamente, o CAS poderá se tornar um grande ônus para a liberdade de expressão. É possível que CAS seja construído, por exemplo, para identificar não somente descarregamentos de conteúdos integrais, mas também descarregamentos parciais, mesmo quando tais conteúdos estejam inseridos em outro contexto. Isso poderá ter um grande impacto em paródias, sátiras, combinações e animações (entre outros tipos de expressões).

No caso de 1994 Campbell contra Acuff-Rose Music, Inc., o magistrado Souter J. definiu o uso transformador como “adição de algo novo, tendo um outro objetivo ou característica, alterando a primeira mensagem, expressão ou significado”.  Souter J. afirmou que os trabalhos transformadores “estão no centro da utilização adequada da garantia que a doutrina dá aos espaços de respiração no âmbito dos direitos autorais”. No caso Eldred contra Ashcroft, a utilização adequada foi descrita como uma “salvaguarda da Primeira Emenda”, o que poderá expressar uma conexão íntima entre os trabalhos transformadores e a liberdade de expressão. Se o CAS for estruturado de tal maneira, restringindo a disseminação dos trabalhos transformadores, a própria liberdade de expressão seria indevidamente afetada.

Além disso, dado que o CAS atribui a responsabilidade por supostas atividades ilícitas aos consumidores que têm seus dados relacionados com os endereços de IP, é possível que os usuários que não tenham cometido qualquer violação acabem por ter suas “velocidades de conexão temporariamente alteradas”. Ao impedir o acesso, como resposta a algo que os usuários talvez não tenham feito (ou não tenham autorizado), tal medida poderia ter um impacto na liberdade de expressão e informação desses usuários.

Para evitar essas restrições indevidas, faço as seguintes recomendações. O CAS deve ser monitorado cuidadosamente para que avisos não sejam criados para trabalhos transformadores (ou qualquer conteúdo que contenha partes de materiais protegidos por direitos autorais dentro de materiais que não infringem a lei). Embora um tribunal possa decidir que o uso em questão não é suficientemente transformador para ser considerado legal, e que tal reprodução infringe direitos autorais, essa determinação deve ser feita por um tribunal e não por um programa como MarkMonitor ou pelo CAS.

Para esse fim, o CAS deve ser acionado somente quando conteúdos forem descarregados integralmente. Essa parece ser a maneira como o sistema está configurado atualmente. Um texto postado no blog do CCIindica que o programa MarkMonitor foi feito para identificar quando trabalhos inteiros são descarregados. Além disso, em um Memorando de Entendimento de 2011 é indicado que “com fins de gerar avisos aos provedores, os representantes dos detentores dos direitos autorais concordam em focar seus esforços em programas de compartilhamento de arquivos [P2P] que violem a lei ao distribuir arquivos e informações não autorizados de forma integral ou de forma substancialmente completa, e evitar que conteúdos supostamente ilegais sejam incorporados a redes de compartilhamento de arquivos.”

Em segundo lugar, o CAS deveria ser configurado para distinguir entre a distribuição de conteúdos que são e os que não são protegidos. Direito autoral tem data de validade. Após tal período, as pessoas podem disseminar cópias integrais dos trabalhos sem precisar de autorização do detentor dos direitos. O CAS deve ser investigado para assegurar a livre distribuição de materiais que já não tenham direitos autorais protegidos.

Em terceiro lugar, é preciso atentar para o conteúdo de alertas e materiais educativos para que contenham informações corretas sobre a lei de direitos autorais. Materiais educacionais, por exemplo, devem ser revisados para fique assegurado que a discussão esteja em torno do uso adequado e outras defesas contra a violação de direitos autorais, e que não sejam simplesmente que cada reprodução não autorizada de um conteúdo seja considerada violação da lei. Do mesmo modo, tanto a retórica usada nos materiais quanto os avisos de violação devem ser cuidadosamente analisados. Para tal, sugiro que todos os materiais educativos e avisos sejam publicado na página de internet do CCI ou em um “centro de informações da internet” (a criação de tal centro foi determinada pelo Memorando de Entendimento.

Em quarto lugar, é preciso ter cuidado em relação aos métodos usados pelo MarkMonitor para identificar possíveis violações, e quais os processos usados por provedores de internet para fazer a correspondência com endereços de IP. É preciso que esses processos não sejam abrangentes demais e que não infrinjam o direito de privacidade dos usuários. A decisão do CCI de contratar Stroz Friedberg para avaliar esses métodos pode ser vista como um reconhecimento, por parte do CCI, de que tais questões são importantes e precisam ser analisadas seriamente.

Contudo, surgiram algumas preocupações quanto à imparcialidade de Stroz Friedberg. Como o próprio CCI afirmou em seu blog em 30 de outubro de 2012, foi relatado que “um antigo empregado de Stroz Friedberg atuou [em nome da Associação da Indústria Fonográfica dos EUA] em questões não relacionadas com o CCI.” Em resposta a esses relatórios, o CCI reiterou sua confiança em Stroz “e na capacidade da equipe de Stroz de produzir um relatório independente sobre as metodologias dos conteúdos da comunidade mesmo quando relacionadas ao CCI e ao CAS”. Além disso, o CCI tomou outras duas providências para restaurar a confiança na imparcialidade de Stroz Friedberg e no CAS. Em primeiro lugar, “decidiram contratar um outro revisor especialista para o processo inicial dos processos”. Em segundo lugar, o CCI anunciou que tornaria público o relatório preparado por Stroz Friedberg para que todas as partes interessadas pudessem revisar o material”. O CCI também reiterou que comprometimentos anteriores de “revisar periodicamente as metodologias de trabalho para que tudo seja operado com a precisão e qualidade que esperamos e que os consumidores merecem”.

Embora estas iniciativas sejam louváveis, é preciso que o CCI vá além. Sugiro, especificamente, que o CCI publique em sua página de internet as metodologias usadas pelo MarkMonitor, os processos tecnológicos empregados pelos provedores de internet e os relatórios das revisões periódicas do CCI, para que o público possa investigar e avaliar o processo por conta própria.

Em quinto lugar, sugiro que os dados detalhados sejam coletados por um órgão independente das operações do CAS. Esses dados devem ter acesso público na página eletrônica do CCI e deve ser regularmente atualizados (possivelmente em “tempo real”). Entre as informações que poderiam ser coletadas, poderiam incluir o número de alertas enviados em cada etapa; o número de revisões que são revisadas; o tempo utilizado para analisar e decidir sobre uma revisão; e o número de vezes que os indivíduos recebem aviso errados.

Essa abordagem transparente para a coleta e disseminação dos dados seria muito diferente do processo descrito no Memorando de Entendimento de 2011, em que fica definido que “dados e gravações relacionados com os programas de Alerta sobre Direitos Autorais e o Processo de Notificação devem ser publicados pelo CCI sem qualquer necessidade de prévia aprovação por maioria do Comitê Executivo do CCI.”

O CAS tem o potencial de ser uma ferramenta educativa e talvez possa contribuir para reduzir o número de violações de direitos autorais na internet. No entanto, ainda que seja importante proteger direitos autorais, é também importante garantir que nenhuma proteção afete de forma indevida a liberdade de expressão. Como assinalado no Memorando de Entendimento, os esforços para deter o avanço das violações de direitos autorais “devem respeitar os interesses legítimos dos usuários de proteger suas liberdades de expressão”.

Graham Reynolds é professor assistente do Escola Schulich de Direito na Universidade de Dalhousie em Halifax, Nova Escócia, Canadá. Ele ensina e pesquisa nas áreas de direitos autorais, leis de propriedade intelectual, leis de propriedade, e na interface entre propriedade intelectual e direitos humanos. 

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Liberdade de Expressão em Debate é um projeto de pesquisa do Programa Dahrendorf para o Estudo da Liberdade de Expressão, do Colégio St Antony's na Universidade de Oxford. www.freespeechdebate.ox.ac.uk

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