Artigo 19: liberdade de expressão ancorada na lei internacional

Jeff Howard explica o que significa um estado fazer parte do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e como as pessoas podem emitir queixas sobre violações de liberdade de expressão para a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ICCPR, na sigla em inglês) é o tratado multilateral fundamental que ancora a liberdade de expressão na lei dos direitos humanos internacional. A grande maioria dos países já assinou e ratificou o tratado. Entre as nações que assinaram, mas não ratificaram estão China, Comores, Cuba, Nauru, Palau, São Tomé e Príncipe e Santa Lúcia. As nações que não assinaram e nem ratificaram incluem a Arábia Saudita, Antígua e Barbuda, Butão, Brunei, Mianmar, Fiji, Kiribati, Malásia, Ilhas Marshall, Micronésia, Omã, Qatar, São Cristóvão e Nevis, Singapura, Ilhas Salomão, Tonga, Tuvalu, Emirados Árabes Unidos e Vaticano.

Mas o que significa ser signatário ou partidário do ICCPR? E se o seu país é parte do ICCPR (veja aqui para saber), como você pode usá-lo para conseguir seu direito individual à liberdade de expressão?

I. O que significa fazer parte do ICCPR

Quando um estado assina o ICCPR, ele não se torna legalmente respaldado por ele, mas declara a sua intenção de tornar-se ligado e promete abster-se de ações que anulam o “objeto e finalidade” do tratado até então. A ratificação (ou, se não houver assinatura anterior, a “adesão”) estabelece um vínculo legal entre o país e o ICCPR. No entanto, não fica claro em que, de fato, consiste o status de um compromisso “vínculo legal”. Muitos supõem que uma condição necessária para o status de um acordo juridicamente vinculativo é que o conteúdo do acordo seja também aplicável coercitivamente. No caso do ICCPR, como tantas vezes ocorre no direito internacional, isso não ocorre. Não há mecanismo oficial de fiscalização internacional do ICCPR.

O que, portanto, significa “vínculo legal”? Significa simplesmente que um partido que ratifica está sujeito a uma obrigação de que o seu sistema político proteja os direitos especificados no ICCPR, incluindo medidas fora da lei formal. Não se recomenda nenhum mecanismo institucional particular como um meio de proteção doméstico. A Comissão de Direitos Humanos da ONU (CDH), encarregada de interpretar e esclarecer as demandas precisas do ICCPR, o sustenta que “todos os ramos de governo (executivo, legislativo e judicial) e outras autoridades públicas ou governamentais, em qualquer nível – nacional, regional ou local – têm o direito de responsabilizar o Estado que faz parte do acordo”. Esta definição não determina qualquer método de proteção dos direitos, mas insiste no envolvimento judiciário; partes do estado são obrigadas a “desenvolver as possibilidades de recurso judicial”. Como muitos juristas relutam em aplicar a Lei Internacional dos Direitos Humanos em decisões nacionais (apesar obrigação de fazê-lo), alguns estudiosos têm defendido que a melhor maneira para que um país se tornar compatível com o ICCPR é que seus juristas “descubram” os direitos do tratado que já estão incorporados nas tradições legais do seu país. Um experto ressalta que essa é a forma como Austrália tornou-se compatível com as disposições do ICCPR sobre a liberdade de expressão, identificando um direito implícito à comunicação pressuposta por processos democráticos.

Obviamente, mesmo em casos em que há um processo doméstico de revisão judicial, tudo depende da boa vontade do juiz em levar a sério a obrigação legal de defender a ICCPR (ou o estatuto doméstico que faça o sistema ficar de acordo com ele). Então chegamos a uma questão fundamental: que recurso legal internacional está disponível aos cidadãos de um estado retificador ou assentido? Se você é um cidadão que quer protestar contra alguma violação, o que poderá fazer? Tudo vai depender se o seu país, além de se tornar integrante do ICCPR, também tenha assinado o Primeiro Protocolo Opcional da ICCPR.

II. O primeiro Protocolo Opcional

O Primeiro Protocolo Opcional é um tratado de acordo que permite que pessoas físicas façam reclamações à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH) alegando que seu país contradiz o que está estipulado no ICCPR. 114 países ratificaram ou assentiram com o protocolo. E 53 dos países que ratificaram ou acessaram com a ICCPR, não ratificaram ou assentiram com o Protocolo. Para checar se o seu país é um membro, clique aqui.

De acordo com o Primeiro Protocolo Opcional, a CDH formalmente aceita queixas de cidadãos de países que são partes do Protocolo e decide se os estatutos disputados ou ações do estado infringem ou estão em conformidade com o ICCPR. A decisão judicial é impositiva, mas não obrigatória.

Os cidadãos dos ex-Estados soviéticos têm tido considerável sucesso ao recorrer ao CDH. Em 2009, no processo entre Mavlonov e Sa’di versus Uzbequistão, o comitê decidiu que o governo uzbeque violava os direitos dos cidadãos uzbeques ao recusar-se a renovar a matrícula de um jornal que denunciava injustiças educacionais enfrentadas pelos falantes da língua Tajik. Em 2011, no caso Kungurov contra Uzbequistão, a CDH decidiu que o governo uzbeque violou o artigo 19, recusando-se a registar uma ONG chamada “Democracia e Direitos”. Em outro caso de 2011, o Toktakunov versus Quirguistão, decidiu-se que os direitos dos cidadãos foram violados quando o Ministro da Justiça do Quirguistão se recusou a divulgar as estatísticas do número de penas de morte e de presidiários no país. E no caso Zasesskaya versus Belarus, do mesmo ano, o comitê manteve-se a favor dos cidadãos que receberam multas altíssimas ao distribuir dois jornais – Tovarishch (“Companheiro”) e Narodnaya Volya (“A vontade do povo”) – sem terem recebido uma aprovação prévia.

Os efeitos da CDH não se restringem ao Leste europeu. No caso Dissanakye versus Sri Lanka (2008), um membro proeminente do parlamento do Sri Lanka afirmou que não aceitava a decisão “vergonhosa” da suprema corte do país em dividir os poderes de defesa entre o presidente e ministro da Defesa. Ele foi posteriormente acusado por desacato ao tribunal e preso por dois anos. A CDH afirmou que essa detenção violou seus direitos do artigo 19. Em Coleman versus Austrália (2006), a CDH decidiu que um conselho municipal violou os direitos de um cidadão nos termos do artigo 19 ao prendê-lo e multá-lo por discursar abertamente sobre questões políticas delicadas, tais como direitos de mineração e terras, sem ter licença para isso. E em Shin versus República da Coreia (2004), a CDH decidiu que um pintor teve seu direito violado quando ele foi preso depois de pintar uma peça que mostrava a Coreia do Sul como um fantoche americano.

Mas os apelos à Comissão dos Direitos Humanos nem sempre são bem sucedidos. É importante ressaltar que é preciso esgotar todos os recursos nacionais disponíveis para reclamar à comissão, caso contrário ela se recusará a ouvir o caso. Muitos casos nunca são revisados pela CDH porque existe algum tribunal no país para o qual se pode apelar. Nestas situações, a CDH não vai emitir nenhuma opinião sobre o caso. O mais famoso incidente recente foi o de Said Ahmad e Abdol-Hamid versus Dinamarca, em 2008 – o caso sobre os cartoons dinamarqueses. Já havia um julgamento nacional em andamento para definir se o jornal que publicou charges de Maomé incendiário podia ser responsabilizado criminalmente por isso – portanto, a Comissão de Direitos Humanos se recusou a ouvir o caso.

A CDH também costuma se recusar a ouvir os casos quando alega que as provas são sem fundamento. Nestes casos, delega às autoridades locais. Em 2008 o caso Sama Gbondo, um cidadão nascido em Serra Leoa e de nacionalidade alemã foi condenado por difamação depois de chamar um policial de racista quando o policial, ao investigar violações ao uso do transporte, usou um insulto racial. O infrator alegou seu direito de livre expressão foi violado pela condenação, a CDH sustentou que as alegações foram “insuficientemente fundamentadas” para avaliar o assunto em questão. Em tais casos, a atitude geral é a de recusar a comentar, fazendo valer a decisão tomada domesticamente.

E há também, claro, casos em que o CDH ouve o caso, mas decide que não houve contravenções do ICCPR. No caso Hertzberg versus Finlândia (1985), a CDH decidiu que uma emissora finlandesa agiu coerentemente com o artigo 19, ao censurar dois programas de televisão que abordam a homossexualidade, alegando que “uma certa margem de discrição devem ser colocados de acordo com as autoridades nacionais responsáveis”. No caso De Jorge Asensi versus Espanha, de 2008, em que um coronel do exército reclamou que os protocolos de seleção apropriados não foram seguidos na concessão de promoções, a CDH decidiu que nenhum dos direitos do ICCPR – incluindo o direito do artigo 19, de buscar e receber informação – foi violado pela natureza secreta da decisão. Em Nam versus Coreia (2003), a CDH decidiu que uma lei proibindo a publicação de livros didáticos língua coreana não viola os direitos de autor para expressar seus conhecimentos profissionais livremente. E em Robert Faurisson contra França (1996), que dizia respeito a um acadêmico que contestou a existência de câmaras de gás em Auschwitz, o comitê decidiu que o Ato Gaysott, que torna um crime de contestar os resultados dos julgamentos de Nuremberg, não viola o artigo 19.

Se a CDH decide que aconteceu uma contravenção ao ICCPR, ela pede ao país que está envolvido para que revisite o caso e, às vezes, também recomenda a retirada legal da lei que viola o ICCPR. Dependendo do tipo de caso, também pede indenizações compensatórias para aqueles cujos direitos tenham sido violados. Às vezes, uma decisão da CDH provoca uma mudança interna, às vezes não. A Comissão pede relatórios aos Estados membros sobre como eles estão implementando as mudanças relevantes, mas em muitos casos nunca os recebe.

III. Resistência ao Primeiro Protocolo Opcional: o caso Estados Unidos

Os países que fazem parte do ICCPR mas recusaram-se a assinar o Primeiro Protocolo Adicional não têm qualquer mecanismo de queixa formal à Comissão de Direitos Humanos. Os EUA votaram a favor da criação do Primeiro Protocolo Adicional, mas ainda assim se recusaram a ratificá-lo. Os grupos de direitos humanos criticam há muito tempo os EUA por esta recusa, que – quando combinado com a enorme lista de reservas do país ao ICCPR – neutraliza o impacto do PIDCP sobre a prática doméstica legal americana.

Os debates acadêmicos sobre as razões pelas quais os EUA assumiram uma postura aparentemente paradoxal no direito internacional dos direitos humanos, defendendo fervorosamente sua expansão e, ao mesmo tempo, recusando-se a se comprometer com ela, sugerem uma série de possibilidades. Algumas das explicações mais populares incluem o papel desempenhado pelo “excepcionalismo americano” como uma ideia saliente dentro dos discursos político e jurídico americanos: a ideia de que os EUA é único entre as nações no que diz respeito à qualidade moral de suas instituições e, portanto, a legislação internacional de direitos humanos deveria proteger aqueles que não têm a sorte de ser protegidos pela constituição americana. Mais cinicamente, outros estudiosos alegam a suspeita geral (e a arrogância) em relação a pessoas e culturas estrangeiras. Os conservadores zombam diante da possibilidade de recorrer a uma lei estrangeira em pareceres jurídicos internos. Um historiador se refere à questão como o produto de uma “visão de mundo etnocêntrica, uma perspectiva suspeita ou desdenhosa de tudo o que é estrangeira” que prevaleceu na era pós-guerra.

Outros estudiosos se mostram resistentes à explicação da excepcionalidade americana em relação às convenções dos Direitos Humanos. Eles citam quatro fatores que, juntos, respondem por essa resistência americana. O primeiro é o significativo poder geopolítico americano, que lhe dá uma vantagem em acordos de negociação. A teoria realista das relações internacionais nos diz que quando uma potência pode fazer acordos que atendam seus próprios interesses inclusive para além do ponto que seria justo, ela irá fazê-lo. No entanto, como as convenções de direitos humanos não são aplicadas por meio de um mecanismo de barganha, e sim judicialmente, a assinatura do Primeiro Protocolo Opcional significaria perder a capacidade dos EUA em pressionar os seus interesses. Esse argumento é consistente com a resistência americana ao Tribunal da Penal Internacional, possivelmente por causa das preocupações sobre as responsabilidades criminais de seus próprios soldados.

Em segundo lugar, os EUA possuem instituições democráticas estáveis. Enquanto as lideranças moderadas de democracias florescentes podem proteger suas instituições ainda frágeis de ameaças internas com pactos internacionais, as democracias estáveis como os EUA têm pouco a ganhar com isso.

Em terceiro lugar, além do fato de os EUA não obter qualquer benefício claro com a assinatura do Primeiro Protocolo Opcional, muitos na direita norte-americana, apesar de aceitar a ideia geral de direitos humanos universais, contestam a maneira como esses padrões são especificados e interpretados por organizações internacionais. Se a elite sulista discorda que Washington DC se intrometa em seus assuntos, não é surpreendente que eles sejam ainda mais resistentes a que estrangeiros façam isso.

Por fim, o sistema político dos EUA é altamente descentralizado, quanto mais descentralizado o sistema, mais oportunidades de veto e menos provável que as obrigações internacionais sejamo aceitas. Essas características do caso norte-americano podem, naturalmente, ser generalizadas. Dominância regional, a estabilidade democrática, o conservadorismo ideológico, e a descentralização, tudo isso pressiona contra a aceitação de convenções internacionais. Esta análise se aplica não apenas ao Primeiro Protocolo Opcional, mas ao ICCPR em si. A Arábia Saudita, que examinamos na seção final, não assinou nem ratificou o ICCPR.

IV. Resistência ao ICCPR: o caso chinês (assinatura sem ratificação)

Depois de assinar o ICCPR em 1977, o governo americano finalmente o ratificou em 1992. Esta longa demora entre a assinatura e a ratificação pode ter dado espaço para a criação de uma tendência: também a China, embora tenha assinado o ICCPR em 1998, ainda não ratificou.

O governo chinês já falou oficialmente que tem intenção de ratificar o ICCPR, embora não tenha especificado a data. Tal como diz um dos documentos, “A China assinou o Acordo Internacional dos Direitos Civis e Políticos e continuará fazendo reformas legislativas, judiciais e administrativas para tornar suas leis domésticas mais de acordo com este tratado e preparar terreno para a sua aprovação”.

No entanto, não há uma explicação oficial sobre quais conflitos entre o ICCPR e o direito nacional chinêsnecessitam de reconciliação. De acordo com oficiais juristas, tem pouco a ver com o artigo 19 da proteção da liberdade de expressão, já que a liberdade de expressão está “protegida” pelo artigo 35 da constituição chinesa. As duas questões mais prementes que aparecem em discussões legais são a pena capital e a reeducação através do trabalho, já que o código penal chinês classifica dezenas de crimes altamente controversos (como colocar em perigo a segurança pública ou a ordem pública) como crimes capitais. O sistema chinês de “reeducação através do trabalho” detém as pessoas que cometeram crimes pequenos, como furto ou prostituição por até três anos em campos de trabalho. As sentenças são emitidas pela polícia, e não pelo sistema judicial, violando, assim, o artigo 9.4 do ICCPR. Outro problema para a reconciliação inclui a garantia do artigo 12 de liberdade de movimento, que parece entrar em conflito com o hukou, sistema de autorização de residência da China. E o artigo 22,1 das proteções à liberdade de associação, que inclui o direito de formar e aderir a sindicatos, entra em conflito com a lei chinesa de proibição sobre a criação de sindicatos independentes que estejam fora do sistema All-China Trade Union.

Um dos argumentos mais utilizados para explicar o ritmo lento de reconciliação com ICCPR na China diz respeito à alegação de que o desenvolvimento econômico é um precursor necessário para alcançar todas as garantias de direitos humanos. A alegação é que uma gestão rigorosa da era de crescimento da China, que irá fornecer condições para o sucesso material a todos os chineses, seria diminuída pela prematura adoção de um regime de direitos humanos. Como um conselheiro de Estado chinês disse, em 2005, “a pobreza é a principal barreira para o progresso dos direitos humanos na região. Assim, não temos escolha a não ser considerar o desenvolvimento – como a melhoria das condições econômicas, sociais e culturais – a nossa tarefa mais importante”. Mas essa retórica implica que deve haver um pouco de flexibilidade em relação à oposição aos direitos humanos, conforme o desenvolvimento avance. Ainda assim, isso é o oposto do que está acontecendo. Os comunicados oficiais dos chineses devem ser tomados com uma pitada de desconfiança. O New York Times relatou recentemente que as autoridades chinesas estão apoiando “alguns dos limites mais fortes dos últimos anos sobre mídia e liberdade na internet nos últimos anos”.

V. Resistência ao ICCPR: reservas e declarações

Se a China um dia assinar e ratificar o ICCPR, seguirá certamente o exemplo de numerosos membros atuais e adotará reservas explícitas: condições para afirmar seu compromisso com o tratado. Se por um lado as reservas não podem ser incompatíveis com o “objeto e finalidade” do tratado, elas por outro lado refletem cruamente os casos de objeções dos governos ao ICCPR por razões ideológicas e os interesses que eles esperam que estejam abertos ao conhecimento público. Alguns estudiosos e dizem que o processo de reserva permite o desacordo moral, e variabilidade interpretativa e institucional, sem pôr em risco o núcleo fundamentalmente objetivo do Tratado. Outros, entretanto, dizem que é uma forma de fazer com que os países não liberais deixem de lado os direitos humanos enquanto afirmam ser compatíveis com o ICCPR.

O Barein é um exemplo claro: ele interpreta disposições contra a discriminação de gênero (artigo 3), a liberdade de religião (artigo 18), e os direitos da família (artigo 21) como “não afetando de forma alguma as prescrições da sharia islâmica” (Observe que o Bahrein não é um partido com o Primeiro Protocolo Opcional; seus cidadãos não têm mecanismos oficiais para denúncia). Há, é claro, um argumento que, mesmo com uma participação mínima na comunidade internacional de direitos humanos, começa-se um lento processo de evolução a sua total aceitação. O Paquistão é outro país que teve muitas reservas sobre vários artigos do ICCPR para fazê-lo coerente com a sua própria constituição inspirada na sharia. Os críticos, no entanto, afirmam que tais reservas impede, e não avança, a liberdade nesses países.

Sobre questões relacionadas ao artigo 19, uma das reservas mais citadas é o desejo de manter o direito de exigir licenças para toda a radiodifusão. Luxemburgo, Mônaco, Irlanda e Itália, todos eles incluem tais reservas. Uma das reservas de Malta é que o artigo 19 seja coerente com a exigência de que “agentes públicos” não sejam autorizados a se envolver na discussão política ativa durante as horas de trabalho. Mais nefastamente, Malta também quer que o artigo 19 seja coerente com a legislação interna cuja finalidade é a de “regular as limitações sobre as atividades políticas de estrangeiros”.

VI. Resistência ao ICCPR: o estudo de caso da Arábia Saudita (nem assinatura, nem ratificação)

A Arábia Saudita não assinou nem ratificou ou aderiu ao ICCPR. Como não há um debate político transparente na Arábia Saudita sobre a política externa, é difícil identificar suas exatas razões para escolher não assinar ou ratificar o ICCPR. Como vimos, a sua relutância não pode ser explicada por um medo de uma execução forçada, já que, mesmo sob o Primeiro Protocolo Opcional, não há mecanismos de obrigação. Na verdade, a Arábia Saudita ratificou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, apesar de sua reputação pouco liberal em questões de igualdade de gênero. Por que não, então, assinar o ICCPR?

Vamos imaginar o que a Arábia Saudita poderia usar como argumento. Uma das possíveis explicações sobre o ponto de vista do país é que o Pacto não é, na verdade, um acordo internacional; não especifica uma moral comum a todas as sociedades do planeta. Pelo contrário, é um acordo fundamentalmente ocidental, que articula uma visão dos direitos humanos que é diferente das sensibilidades morais e dos compromissos das pessoas da Arábia Saudita. Portanto, de acordo com o seu argumento, o ICCPR é melhor visto como um artifício do oeste, incapaz de dar conta das convicções profundas daqueles que discordam com a interpretação ocidental do que significa tratar um indivíduo com dignidade. O Oriente Médio precisa de algo diferente. E já tem algo neste sentido: a Carta Árabe dos Direitos Humanos de 2004, um esforço liderado pela Arábia Saudita, “que cria uma nova fórmula para resolver a questão histórica e fundamental de saber se os princípios islâmicos podem ser compatíveis com a universalidade dos direitos humanos”, como explica um estudioso.

Então o argumento dos sauditas poderia ser: por que assinaríamos e retificaríamos o ICCPR, já que temos nosso próprio documento que está mais de acordo com nossos valores? Esta resposta certamente não vai satisfazer os defensores dos direitos humanos, que acreditam que a democracia liberal é a forma correta de governo, e não somente uma convenção ocidental.

Quando a ONU expressou entusiasmo pela ideia de uma Comissão Unida pelos Direitos Humanos que foi ratificada pelos estados Árabes (diferente das versões anteriores da Comissão de 1994), ela não sabia que seria um documento moralmente reduzido. A comissão de 2004 foi inicialmente rascunhada por expertos árabes em um painel das Nações Unidas usando como base documentos dos Direitos Humanos – incluindo o ICCPR. Mas a Carta Árabe editada de maneira drástica. Tal como apontam alguns estudiosos, “foram feitas mudanças fundamentais a ponto de não estarem consistentes com a lei internacional e alguns itens previstos foram eliminados”. Ativistas e especialistas se preocupam com o fato de a Carta Árabe aprovar a Declaração Islâmica dos Direitos Humanos do Cairo de 1990, que submete todos os direitos humanos à lei da sharia. Um especialista sustenta que esse requisito compromete a Carta Árabe. No que diz respeito à liberdade de expressão, por um lado a comissão garante o “direito à informação, liberdade de opinião e expressão, bem como liberdade para procurar, receber e divulgar informações por todos os meios, independentemente de fronteiras” – um trecho também usado pela Declaração dos Direitos Humanos. Mas o artigo 32(2) acrescenta esta advertência: “Tais direitos e liberdades são exercidos dentro da estrutura dos princípios fundamentais da sociedade e só deverá estar sujeita às restrições necessárias para respeitar os direitos ou a reputação de outros e pela proteção da segurança nacional ou da ordem pública, da saúde ou da moral”.

Continua a ser um objeto de debate entender se devemos ridicularizar estas advertências ou considerá-las como desvios necessários no lento caminho para a liberalização do mundo árabe. Muitos estudiosos afirmam que as sociedades islâmicas só vão apoiar os valores liberais quando a interpretação do Alcorão dominante apresentar a democracia liberal como algo que flui diretamente dos princípios islâmicos. E isso leva tempo. O “despertar árabe” pode fornecer evidência para pensar que o argumento de “isso leva tempo” seja simplesmente uma desculpa conveniente para déspotas árabes dizerem que seus povos não estão “prontos” para a democracia.

Ao promover a Carta Árabe como uma visão alternativa para o ICCPR e ao recusar-se a assinar ou ratificar esta última, a Arábia Saudita toma o seu lugar como defensora central do que (seus líderes afirmam) o Islã requer na política. Ao fazer isso, cai por terra a visão de que a Arábia Saudita não é adequada para liderar o mundo muçulmano devido a seus laços excessivamente estreitos com os governos ocidentais – uma visão de que o Irã está disposto a promulgar.

(Pesquisa adicional de Jacob Amis)

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Comentários (5)

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  1. @ThinkRights:

    Really interesting question. Section 3(b) of Article 19 stipulates that “the protection of national security or public order” can justify restrictions on free speech rights, so long as the restrictions “are provided by law and are necessary”. Like so many provisions in international law, the use of the word “necessary” here is frustratingly vague (a predictable consequence of the fact that ICCPR was a negotiated agreement among numerous countries with divergent guiding political philosophies). “Necessary” will be, and has been, predictably interpreted by different countries in whatever way that facilitates their own restrictions on free speech. But let us suppose that a restriction is necessary if its enactment would, in fact, (a) impact a reasonably great majority of potential cases in which the permitted exercise of free speech would actually imperil national security by endangering lives or causing serious criminal harm and (b) would impact very few other kinds of cases. (I add this condition [b] since suspending all free speech rights on all topics, always, might be thought to yield considerable benefits for national security, as terrorist communications are a set of the total amount of communications; however, this would make the “necessary” condition far too weak to satisfy.)

    So the question becomes: does the UK Terrorism Act satisfy these conditions? One worry stems from Part I, Section 1, in which the act stipulates that “a person commits an offence” of encouraging terrorism if “he publishes a statement to which this section applies or causes another to publish such a statement, and…at the time he publishes it or causes it to be published, he….intends members of the public to be directly or indirectly encouraged or otherwise induced by the statement to commit, prepare or instigate acts of terrorism or Convention offences; or…is reckless as to whether members of the public will be directly or indirectly encouraged or otherwise induced by the statement to commit, prepare or instigate such acts or offences.” It is the provision of “recklessness” that flags immediate alarm bells, and signals a worry that the act could be applied in such a way to violate condition (b) above. More specifically, it raises a worry that people engaging in such exercises as political satire could be held to have committed a crime under this act, despite the fact that it is unlikely they would, in fact, be seen as encouraging terrorism — and thus endangering national security — through their satire.

    Making criminally liable those who recklessly fail to take precautions to ensure that the public will not construe their publications as encouraging terrorism obviously has its point; we do not want people in positions of influence to use ambiguous language when, for example, discussing a putatively unjust Western policy, and the putatively understandable character of terrorist acts committed in ostensible response to such a policy. People need to take care that they are not advocating terrorism. But is the brush too broad? Especially given the fact that internet publications count, might some immature blogger be criminally liable? Or should we trust legal authorities to make the right decisions?

  2. I’m just wondering how this all fits with the UK Terrorism Act 2006 (pt1 s 3 relating to internet activity). Can limiting the fundamental right to freedom of expression in relation to “statements considered likely to be understood by some or all of the members of the public…as a direct or indirect encouragement or other inducement to them to the commision, preparation or instigation of acts of terrorism” be justfiied in terms of national security?

  3. O seu comentário aguarda moderação.

    @Essoulami and @Martinned:

    Thanks to you both for your contributions. I did not include Western Sahara in the introduction precisely because of its disputed status in international law. Morocco does control most of the territory as a de facto matter, but many countries — more than 50 — recognize the Sahrawi Arab Democratic Republic as the rightful sovereign, though it only controls a small portion of the territory.

    This issue raises the crucial matter of what Hannah Arendt called “the right to have rights”: the thesis that unless one has status as a legal subject within a particular recognized state, one cannot have any of the further protections that we take so seriously. Statelessness, on this view, is a fate we would not wish on our own worst enemy.

    My question is whether this view is outdated. How crucial IS a state on this view to the protection of freedom of expression? We can think about this question by considering a familiar objection to international human rights practice. Critics of the ICCPR note that it lacks coercive bite: so long as we retain the familiar order of nation states, in which internal high courts are the last line of appeal, there won’t be any international enforcement mechanism unless states collectively cede that feature of their sovereignty. Of course, we do see innovations on this front, such as the European Court of Human Rights; however, while its decisions are usually complied with, the court does not yet have the power to itself strike domestic laws invalid. This raises the issue: even if our state is a party to the ICCPR, protecting free expression in such a state is not and never shall be something that can be outsourced entirely to legal authorities. It is the enduring responsibility of all citizens — in their families and religious organizations and civil society groups and businesses, here and there — to advocate tirelessly for its continued maintenance. And if THAT is true, what share of the burden even can the law carry? How important is the law to freedom of expression? Would be really interested to hear people’s thoughts.

  4. And for the lawyers, just the actual free expression language of the ICCPR and the ECHR:

    Art. 19 ICCPR:
    1. Everyone shall have the right to hold opinions without interference.

    2. Everyone shall have the right to freedom of expression; this right shall include freedom to seek, receive and impart information and ideas of all kinds, regardless of frontiers, either orally, in writing or in print, in the form of art, or through any other media of his choice.

    3. The exercise of the rights provided for in paragraph 2 of this article carries with it special duties and responsibilities. It may therefore be subject to certain restrictions, but these shall only be such as are provided by law and are necessary:

    (a) For respect of the rights or reputations of others;

    (b) For the protection of national security or of public order (ordre public), or of public health or morals.

    Article 10 ECHR:
    1. Everyone has the right to freedom of expression. This right shall include freedom to hold opinions and to receive and impart information and ideas without interference by public authority and regardless of frontiers. This article shall not prevent States from requiring the licensing of broadcasting, television or cinema enterprises.

    2. The exercise of these freedoms, since it carries with it duties and responsibilities, may be subject to such formalities, conditions, restrictions or penalties as are prescribed by law and are necessary in a democratic society, in the interests of national security, territorial integrity or public safety, for the prevention of disorder or crime, for the protection of health or morals, for the protection of the reputation or rights of others, for preventing the disclosure of information received in confidence, or for maintaining the authority and impartiality of the judiciary.

  5. @Essoulami: That’s the Western Sahara, whose exact status under international law has been unclear for several decades. Most people these days tend to simply accept the reality on the ground and count it as a part of Morocco, but technically that is not correct.

  6. Hi Jeff,

    Congratulations for the good project you launched. I just have one question. Wich is the country in red in North Africa which has not ratified the CCPR? Mauritania has and also Morocco. Are you singling out Western Sahara which no a state at all to be party to any international convention? Please explain to me this red colour there and which you do not ention in your introduction.

    All the best,

    Said Essoulami

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