A Corte de Estrasburgo deu muito espaço aos tabus locais?

Na Corte Europeia de Direitos Humanos, o caso de I.A. contra a Turquia, em 2005, abriu um precedente controverso ao limitar a definição do Artigo 10 da liberdade de expressão em nome da religião, explica Michele Finck.

I.A., um cidadão turco nascido e criado na França, era dono e administrador da editora Berfin. Em 1993 ele publicou “As frases proibidas”, um romance que lidava com questões filosóficas. Sua parte mais controversa dizia: “O mensageiro de Deus quebrou o jejum através de relações sexuais, depois do jantar e antes da oração. Muhammad não proibiu relações sexuais com uma pessoa morta ou um animal vivo”.

I.A. foi processado na Turquia pela publicação de insultos contra “Deus, a religião, o Profeta e o Livro Sagrado”. Ele foi condenado a dois meses de prisão, que mais tarde foram convertidos em uma multa. Em frente ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, ele alegou que a pena entra em conflito com o seu direito de liberdade de expressão, consagrado no artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. O governo turco afirmou que a publicação “continha um ataque abusivo à religião, em particular o Islã, e tinha ofendido e insultado sentimentos religiosos”.

O Tribunal recordou que o exercício da liberdade de expressão implica deveres e responsabilidades, tais como o dever de evitar ofender os outros. Neste contexto, os Estados têm uma ampla margem de apreciação para regular a liberdade de expressão relacionada a questões que levam o potencial de ofender as convicções religiosas ou morais íntimos. A Corte, então, passou a afirmar que o caso em questão “não diz respeito a apenas comentários que ofendem ou chocam, ou a uma opinião ‘provocativa’, mas também um ataque abusivo ao Profeta do Islã”. O Tribunal comentou que, embora haja “certa tolerância a críticas à doutrina religiosa na sociedade turca, que está profundamente ligada ao princípio da laicidade, os crentes podem legitimamente se sentirem objeto de ataques injustificados e ofensivos”. O Tribunal, portanto, sentiu a necessidade de “oferecer proteção contra ataques ofensivos sobre assuntos considerados sagrados pelos muçulmanos” e julgou não ter havido nenhuma violação do artigo 10º com a acusação de I.A. na Turquia.

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