Será que o Facebook se tornou a nova Câmara de Comércio e o Twitter o novo telégrafo?

O teórico político Rob Reich discute quais adaptações precisamos na medida em que a liberdade de expressão e de associação transitam cada vez mais do mundo offline para o online. Os velhos princípios podem ainda ser aplicados às novas circunstâncias?

Para qualquer um vivendo numa democracia, alguma forma de liberdade de expressão e de associação é essencial. Em busca de interesses comuns, se são criações culturais, protestos políticos ou a convivência na vizinhança, as pessoas se encontram e organizam, expressando suas opiniões internamente a outros membros e externamente a outros cidadãos.

Os mecanismos de expressão e de associação mudam na medida em que as pessoas fazem uso das novas tecnologias. As pessoas se correspondiam por meio de cartas, panfletos, telégrafos, jornais, e revistas no século XIX, e no século XX foram incluídos o telefone, o rádio e a televisão.

No século XXI, uma porção crescente da expressão individual e da vida associativa ocorre online. Usando a internet e as redes sociais, nós falamos e nos associamos com maior facilidade do que antes. O que é o ato de “blogar” ou de “twittar” se não o panfleto moderno ou o telégrafo? O que é o Facebook e o LinkedIn se não comunidades associativas modernas ou a câmara de comércio?

Para garantir e proteger a liberdade de expressão e de associação, as democracias criaram um conjunto de leis, normas e instituições. Estas normas, leis e instituições de necessidade têm que se adaptar à marcha do progresso da inovação tecnológica.

O que leva a uma questão fundamental: que adaptações precisamos na medida em que as liberdades de expressão e de associação se movimentam cada vez mais do mundo offline para o online? Que políticas e pressupostos em relação à liberdade de expressão e de associação deveriam, ou até mesmo poderiam, ser transferidos das práticas do mundo real para o mundo digital?

Um pensamento simples é que a infraestrutura da liberdade de expressão e da associação se transfere do mundo offline, ou já se transferiu, nitidamente para o mundo online. Isto é falso.

No mundo digital, a expressão e a vida associativa são diferentes em, pelo menos, quatro maneiras.

Primeiramente, a conectividade básica e o acesso a serviços providos pela internet são tipicamente mediados por negócios, muito mais do que o acesso a espaços associativos físicos sempre foram. Para estar online – e para participar da comunidade digital – a maioria das pessoas devem concordar com os termos de serviço estipulados pelos negócios comerciais, que tipicamente visam à monetarização dos dados que coletam dos usuários. Além do mais, muitos governos também monitoram fortemente e mediam o acesso a estes espaços digitais para os seus cidadãos, limitando o que podem ver e dizer online.

Segundo, atividades associativas em dispositivos portáteis online – mensagens, jogos de vídeo game, redes sociais – envolvem as nossas “pessoas” digitais assim como os nossos “eus” analógicos. A nossa presença e completo catálogo de atividades na esfera digital é visível às companhias e governos que providenciam a infraestrutura de formas que não seriam possíveis, ou que seriam legalmente impossíveis, no mundo atual. Como é que o anonimato online muda como sentimos sobre a expressão online e a vida associativa, e o que fazer quanto às chamadas políticas do “nome real” que buscam eliminar este anonimato?

Terceiro, nossas interações digitais fazem circular um grupo secundário de dados que não se parece com nada do mundo físico. Esta “descarga de dados” composta de clicks, ligações, termos de pesquisa, compras de consumidores, criam um repositório de informação que talvez será mais valiosa de forma agregada. As companhias o usam para vender espaços à publicidade e para o melhoramento de seus serviços; os governos os usam para rastrear relações entre terroristas e criminosos, ou de forma mais preocupante, entre dissidentes políticos, delatores e críticos sociais. Contudo, este agregado de grandes dados pode também ser usado para o benefício público, tal como na previsão de surtos de doenças, na descoberta de relações medicamentosas e efeitos colaterais antes imprevisíveis, ou até mesmo matérias-primas para novas formas de ciência social.

Quarto, na medida em que novas formas de dados emergem, novas preocupações sobre a privacidade também. No passado, metadados tais como registros de telefone, ou classificação (ou avaliação?) de TVs não revelavam muita informação sozinhos, ou a informação particular que poderiam revelar era proibitivamente cara de ser descoberta, então a proteção privada não era considerada uma questão urgente. Apesar de estarmos em uma era cuja análise da rede social complexa tem se tornado trivialmente fácil, nós somos forçados a considerar novas regras e normas de privacidade. Como podemos proteger a privacidade individual, permitir contribuições a e a criação de novos recursos sociais compartilhados, enquanto ao mesmo tempo mantemos um espaço associativo compartilhado livre do alcance corporativo e governamental?

Podemos olhar ao mundo filantrópico, por exemplo, onde as questões de controle de doações e do anonimato são centrais às estruturas operadoras da doação para a caridade e da criação de fundações privadas. Agora encaramos questões similares sobre a doação de patrimônio de dados privados a organizações trabalhando para o benefício público. O sucesso global do movimento Creative Commons mostra que as pessoas não apresentam um ponto de vista similar sobre como ou em que medida os seus dados deveriam ser preservados exclusivamente para o uso privado. Quando nos é dado a escolha, muitos de nós damos muita informação. Como as empresas navegam na tensão entre os dados privados e o bem público se tornará um fator diferenciador para organizações na economia social; nem todos farão as mesmas escolhas.

Nós vivemos em uma era em que a criação, distribuição e posse de material online e as conexões sociais entre as pessoas online, têm causado uma revolução nos bens privados no mundo do comércio. No espaço de 15 anos, temos visto o transtorno em muitas indústrias, mais notavelmente da música, dos livros, da jornalística, do cinema e da televisão. O que é menos anunciado, mas não menos revolucionário, é o que o mundo digital está fazendo com políticas e práticas de liberdade de expressão e de associação. Precisamos confrontar as diferenças entre a liberdade de expressão offline e online. E, sob a luz destas diferenças, precisamos de um debate público informado sobre as regras a governarem o mundo online. O esforço feito aqui no FreeSpeech.com é importante para estimular tal debate.

Tais esforços ajudam a iluminar as diferenças não só entre países e culturas em atitudes sobre a expressão e a associação, mas para demonstrar diferenças no comportamento offline e online. É importante que façamos as perguntas certas, mesmo que as respostas ainda não estejam claras.

Eu vejo duas respostas começando a emergir.

Primeiro, a capacidade de falar e de associar online – conectividade básica – deve ser vista não só como um serviço disponível aos consumidores no mercado, mas como algo que se aproxime a um direito civil. Não é necessário que a conectividade seja provida pelo governo mais do que serviços como as telecomunicações, a água ou a eletricidade. Estes últimos são frequentemente providos privadamente, mas com a garantia de serviço a pessoas que não podem pagar por eles. O que implica que a conectividade deva passar a ser vista como um elemento essencial da infraestrutura pública. A conectividade se torna um bem público, não excludente, como a boa iluminação de seus portos, disponível a todos, se estiver disponível para alguém, e ar limpo não-rival, com a oferta não reduzida a qualquer um quando for consumida pelos outros.

O quão perto estamos de tal atitude em direção à conectividade? No verão de 2013, ninguém menos que Mark Zuckerberg declarou, não obstante os seus interesses comerciais, que a conectividade é um direito humano básico.

Segundo, as questões de privacidade mais espinhosas continuam sem solução, e a diferença das atitudes entre atividades online e offline são acentuadas. Consideremos os serviços postais, por exemplo. A entrega de cartas por meio dos correios nacionais é “network neutral”, pois promete-se entregar qualquer embalagem ou carta independentemente do seu conteúdo, e abrir a correspondência de outra pessoa é considerado crime. Porém, na transmissão online de mensagens, a “network neutrality” é problemática e não há garantias de privacidade. Aqui não são apenas os interesses comerciais que falham na manutenção da privacidade – onde, por exemplo, o Google escaneia emails, ou o Facebook escaneia posts para proporcionar publicidade destinada aos usuários – mas também os governos nacionais, que armazenam virtualmente todo e qualquer rastro de atividade digital.

Nesta esfera, vemos um movimento claro se distanciando da proteção da privacidade que era consensual no mundo offline. O equilíbrio entre as liberdades civis e a segurança que haviam sido alcançadas no mundo offline está decididamente a ceder na direção da segurança no mundo online. Isto é um fato. O que temos que nos perguntar é se isto está de acordo com o ênfase dado pela democracia às liberdades de expressão e associação.

Robert Reich é Professor Associado da Ciência Política na Universidade de Standford. Seus principais interesses estão na teoria política e está atualmente acabando um livro sobre ética, políticas públicas e filantropia.

Este artigo foi publicado em Eurozine.

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Liberdade de Expressão em Debate é um projeto de pesquisa do Programa Dahrendorf para o Estudo da Liberdade de Expressão, do Colégio St Antony's na Universidade de Oxford. www.freespeechdebate.ox.ac.uk

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