Patriot Act e FISA seguem em vigor

Jeff Howard mostra como a administração de Obama continua a usar instrumentos de poder criados por George W. Bush para reprimir debates legítimos com argumentos sobre segurança nacional dos EUA.

Em 2004, Nicholas Merril recebeu uma carta do FBI. Dono de um pequeno provedor de internet, Merrilficou chocado com o conteúdo da carta, que exigia dele o envio de todas as informações que ele possuía sobre um de seus clientes. A carta afirmava ainda que Merril poderia ser processado criminalmente se ele contasse a alguém sobre a abordagem do governo. Ao se recusar a proceder de tal maneira, Merril entrou em contato com a American Civil Liberties Union argumentando que a carta — uma das muitas “cartas de segurança nacional” autorizadas pelo Patriot Act — violava sua liberdade de expressão prevista na primeira emenda da constituição dos EUA.

Os fatos

A ideia de que o Patriot Act — ou, para usar o nome oficial, “Lei para unir e fortalecer os EUA, fornecendo instrumentos apropriados requeridos para interceptar e obstruir o terrorismo” — está em conflito com a primeira emenda se tornou um grito de guerra da sociedade civil por liberdade. Composta de centenas de páginas, a lei entrou em vigor em outubro de 2001 “sem ser discutida de maneira adequada e numa atmosfera de nervosismo, pois as autoridades responsáveis pela aplicação da lei afirmavam que outro ataque era iminente”, publicou o New York Times. Houve muita polêmica sobre a constitucionalidade da lei, que aumentou de forma significativa o poder de vigilância e de investigação criminal, gerando muitos debates sobre e as questões de liberdade de expressão.

Em 2010, no caso levado à Suprema Corte por Holder contra o Humanitarian Law Project, o tribunalexaminou a constitucionalidade da Seção 805 da Lei, que criminaliza o fornecimento de qualquer “material de apoio” a grupos definidos como organizações terroristas. O principal ponto em discussão: o Humanitarian Law Project, uma organização anglo-americana sem fins lucrativos, queria fornecer aconselhamento jurídico ao Partido Trabalhista Curdistão da Turquia e ao Tamil Tigers — ambas consideradas organizações terroristas pelos EUA. De acordo com a lei, “assistência ou aconselhamento especializado” são considerados “materiais de apoio” — embora o único objetivo do Humanitarian Law Project fosse dar conselhos sobre como esses grupos poderiam usar os recursos pacíficos da lei internacional de direitos humanos para conseguir alcançar seus objetivos. A suprema corte julgou procedente a Seção 805 da lei, afirmando que o Humanitarian Law Project seria classificado como colaborador de terroristas e, portanto, passível de processo criminal se eles procedessem com a assistência jurídica àqueles grupos.

Muitos entenderam a decisão da suprema corte como uma grande afronta à primeira emenda caso a resolução fosse aplicada de forma tão abrangente. O mesmo acontece em outros pontos da lei que colocam em risco a liberdade de expressão, como na Seção 802, que permite amplas e vagas definições sobre “grupo terrorista”. Contudo, há pelo menos um ponto positivo das Seções 802 e 805: as negociações aconteceram à luz do dia. Outras seções da lei — principalmente as referentes ao Título II, que modifica a Lei FISA de 1978 (Foreign Intelligence Surveillance Act) — são, por outro lado, muito menos transparentes. A Seção 215, por exemplo, permite que o FBI confisque materiais que os agentes julguem como relevantes para uma investigação sobre terrorismo. A implicação mais discutida dessa seção envolve bibliotecas e o fato de que a lei autoriza os agentes do FBI a solicitar aos bibliotecários quais livros são emprestados aos leitores, forçando os bibliotecários a manter silêncio sobre a investigação. Segundo a associação New York Civil Liberties, tal lei criminaliza os bibliotecários que “respeitarem a privacidade dos leitores e que mencionarem aos leitores que os mesmos estão sob investigação”.

Mas os bibliotecários são apenas a ponta do icebergue. A Seção 215 permite que tais “cartas de segurança nacional” sejam enviadas a empresas e indivíduos de todos os tipos — como no caso de Nicholas Merrill. Entre 2003 e 2006, o FBI emitiu mais de 192.500 cartas — muitas delas a cidadãos anglo-americanos. O mais perturbador disso tudo é a inclusão de uma ordem de silêncio que proíbe os destinatários de mencionar o procedimento a terceiros. Foi somente devido a uma ação judicial que Merril pode revelar de maneira geral o seu caso — e, como publicado no Washington Post, ele permanece sujeito a ameaças de encarceramento se ele revelar qualquer detalhe das informações redigidas em milhares de páginas de documentos do processo.

É importante ressaltar que esta lei não é uma relíquia da era Bush. A administração de Obama tem procurado tornar até mais fácil para o FBI enviar tais cartas — frequentemente sem a aprovação de um juiz. De fato, a administração Obama parece estar tão preocupada quanto a de Bush em aumentar o poder do executivo. No dia 5 de março, o Procurador-Geral Eric Holder afirmou que em certos casos era totalmente permissível que o poder executivo matasse cidadãos anglo-americanos sem supervisão judicial — uma defesa a posteriori do assassinato de Anwar al-Awlaki — tendo como base um raciocínio jurídicomuito criticado. Holder continua a apoiar as emendas da FISA de 2008 que, segundo o Washington Post, permite que a Agência Nacional de Segurança “intercepte e armazene 1,7 bilhões de emails, chamadas telefônicas e outros tipos de comunicação” entre os EUA e outros países diariamente.

Os argumentos

Já que o governo de Obama parece não estar muito inclinado a colocar a primeira emenda como algo prioritário, é chegada a hora de dar respostas aos apelos de Nicholas Merril por um debate público sobre a Seção 215. Contudo, é importante antes enfatizarmos um ponto. A questão em jogo não é se o governo deve ou não ter poderes de censura em relação à vida privada de cidadãos sob o argumento de manter a segurança da nação. Tal questão é muito simplista (ainda que os defensores da censura muitas vezes sugiram que esta é a questão). Dita dessa forma, a questão acaba por se tornar uma negociação evidente entre a liberdade de expressão e a segurança das pessoas em casos específicos. Em outras palavras, é a negociação entre, por um lado, o relativamente limitado interesse que alguém poderia ter em criar um blog sobre como produzir gás asfixiante em uma cozinha doméstica, e, por outro lado, o interesse em salvaguardar a segurança das pessoas que possam vir a ser vítimas de um nefasto leitor de tal blog. Ainda que tal questão seja plausível em investigações acadêmicas, não é esse o principal ponto em debate. O que queremos discutir é se o governo deve ou não ter o poder de decidir secretamente se um caso específico pode estar ameaçando a segurança nacional. Queremos debater se o governo, após tomar uma decisão longe dos olhos do público, seja ela acertada ou não, deve ter o direito de censurar certos discursos sejam eles escritos ou orais. Estamos discutindo sobre qual seria o tipo de procedimento de tomada de decisão justificável, e não se seria justificável censurar a liberdade de expressão em casos hipotéticos específicos em que os fatos são evidentes. A partir do momento em que não sabemos se o governo vai agir de forma sensata ou não ao praticar censura, será que devemos confiar em tal procedimento?

Há dois argumentos principais para não dar o voto de confiança ao governo. Primeiro, governos costumam abusar do poder que lhes é dado, tomando decisões que acabam prejudicando os próprios cidadãos cujos interesses o governo deveria proteger. Isso certamente parece ser o que Nicholas Merrill pensa: “Eu não acreditei [em 2004], e continuo a não acreditar que a ordem do FBI de manter silêncio sobre a investigação tivesse qualquer preocupação legítima com a segurança nacional. O procedimento era só para proteger o FBI de críticas e da vigilância da sociedade.” Mas há também um segundo argumento: mesmo que o governo fizesse uso de seus poderes de forma inteligente, as pessoas têm o direito de saber sobre tais procedimentos, tendo meios de participar das decisões que as afetam — caso contrário, as pessoas não seriam respeitadas como devem ser: como cidadãos e seres humanos cujas vozes devem ser ouvidas.

Aparentemente, esses seriam os dois principais argumentos contra os poderes que o governo teria por conta da Seção 215 do Patriot Act. No entanto, é preciso considerar que há também um terceiro argumento, que não tem alguns dos pontos fracos dos dois primeiros. Ao contrário do primeiro argumento, o terceiro não parte do princípio de que o governo vai necessariamente abusar dos poderes que lhe foram concedidos (tomando decisões que o governo sabe não ter autoridade moral ou legal). Por outro lado, ao contrário do segundo argumento, o terceiro não supõe que ações secretas do governo, não importando quão inteligente sejam, constituiriam uma violação do direito das pessoas de saberem e de participarem para o bem de ambos (eu certamente sacrificaria um pouco do meu conhecimento e da minha participação se eu pudesse ter certeza que isso poderia fazer alguma diferença em questões de vida ou morte!).

O que está errado com as restrições à liberdade de expressão da Seção 215 é o seu efeito cumulativo. Esse é o terceiro argumento que eu proponho. Sem uma discussão pública aberta e duradoura sobre os prós e contras das diferentes estratégias de combate ao terrorismo, com referência a casos e experiências reais, nunca identificaremos com precisão os melhores critérios para decidir o que é uma boa política de segurança nacional e que não é. Quando digo “melhores critérios” me refiro à inclusão de considerações morais — uma avaliação sobre os tipos de negociações aceitáveis e inaceitáveis, algo que deve ser discutido por deliberação democrática — e considerações pragmáticas sobre a eficiência das diferentes estratégias, a serem avaliadas por pessoas que não são meros repetidores do que a comunidade científica afirma. De acordo com esse argumento, precisamos acreditar que governos com poderes de atuar secretamente não abusariam de forma maliciosa de tais prerrogativas. Contudo, dado que a Seção 215 estabelece que um relativamente pequeno grupo de pessoas — passíveis de cometer erros como qualquer ser humano — julgaria o que representa riscos à segurança nacional, temos razões para nos preocuparmos, já que os critérios para tais julgamentos podem não ser perfeitos, e talvez piorem com o passar dos anos. Ter apenas um pequeno e seleto grupo de parlamentares com poder de supervisionar o envio de cartas secretas sobre segurança nacional não é suficiente para estabelecer confiança na responsabilidade democrática do governo.

É preciso responder ao apelo de Nicholas Merril e colocar esse debate na ordem do dia.

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Comentários (1)

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  1. It is a slippery slope when the government starts using National Security laws to surveil its own people and then acting as judge and jury hands down sentences without the accused ever seeing the light of a court of law and having due process. I am concerned that overtime the lines will blur and pretty soon we will find ourselves living in an Orwellian state with Thomas Jefferson rolling over in his grave as the constitution is slowly dismantled. As Lord Acton so wisely stated, “Power corrupts and absolute power corrupts absolutely.”

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